Psicopedagoga Rosemeire Castro
OS JOGOS NO CONTEXTO PSICOPEDAGÓGICO
O uso do jogo na Psicopedagogia define a intervenção psicopedagógica, visa ao aprofundamento das condições psicológicas para a produção ou construção de conhecimentos. A Psicopedagogia se foca não apenas em questões pedagógicas ou educacionais, mas também nas características psicológicas do sujeito que aprende.
As baixas crenças de autoeficácia acadêmica podem se originar de resultados negativos obtidos em situações escolares e, também, da forma como estes resultados são interpretados pelos professores e pais, sendo ressignificados e interiorizados pela criança de forma a comprometer sua autoimagem, independentemente do grau de limitação cognitiva desta. Além disso, na medida em que as habilidades e competências consideradas necessárias para ter êxito na tarefa em questão são consideradas como imutáveis e/ou incontroláveis pelo aprendiz, isso reforça os sentimentos de ansiedade, pessimismo e pouca motivação para agir no sentido de reverter esses resultados, gerando o padrão de comportamento cunhado por Seligman como “desamparo aprendido”.
Diante dessa configuração de crenças, atitudes e comportamentos negativos frente aos desafios e tarefas escolares, o jogo aparece como um instrumento importante no contexto da intervenção psicopedagógica. Mais especificamente, o jogo de regras assume papel decisivo nesse processo, não apenas porque as queixas de aprendizagem ocorrem fundamentalmente na idade escolar, mas também porque os elementos fundamentais deste – o objetivo, o resultado e as regras – oferecem uma situação extremamente propícia para a aprendizagem de conhecimentos, estratégias e atitudes.
Pelo fato do jogo de regras ter um objetivo ou situação problema, a qual deve ser resolvida pelo jogador, com base em um conjunto de normas pré-definidas, a fim de alcançar um resultado positivo (vencer o jogo), interessa ao psicopedagogo não apenas a análise dos meios ou procedimentos que a criança utiliza para tentar vencer o jogo, mas também suas atitudes e emoções frente ao desafio (situação problema) e ao seu resultado. Assim, ajudar a criança a tomar consciência de suas jogadas e dos resultados das mesmas (sejam eles favoráveis ou não), bem como a planejá-las antecipadamente, é uma tarefa importante a ser realizada pelo psicopedagogo. O objetivo é de que esse controle de ordem “metacognitiva”, construído no decorrer do uso do jogo, possa ser generalizado para outros contextos e situações, como a situação escolar, por exemplo.
Também os jogos educativos podem ter um papel importante no contexto psicopedagógico, o jogo, por ser livre de pressões e avaliações, cria um clima positivo, propício à aprendizagem e à reflexão,o jogo propicia a experiência do êxito, sendo esta uma das fontes da autoestima. Quando esta aumenta, a ansiedade diminui, permitindo à criança realizar as tarefas relacionadas à aprendizagem com maior motivação.
A necessidade do respeito às regras – e, concomitantemente, aos parceiros – também torna o jogo uma atividade propícia para o desenvolvimento moral e social. Considerando que o desenvolvimento moral corresponde, em última instância, à construção de princípios e valores que nos orientam sobre “como agir perante os outros”, é possível afirmar que os jogos de regras possibilitam à criança lidar com limites, respeito e disciplina, aspectos esses fundamentais à vida social27. Assim, comportamentos como mentir, enganar e alterar as regras para benefício próprio não são bem aceitas no contexto do jogo e podem levar a importantes reflexões sobre o próprio comportamento na relação com os outros, não apenas em situações de jogo, mas também nos demais contextos sociais.
Várias questões se colocam sobre a utilização dos jogos no contexto psicopedagógico relacionadas a quando e como utilizá-los no atendimento a crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem. Inicialmente, é preciso considerar que, embora alguns profissionais utilizem os jogos como recurso exclusivo da intervenção psicopedagógica, nossa perspectiva é que, apesar de fundamentais pelas possibilidades de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social que propiciam, os jogos (tanto de regras quanto pedagógicos) também podem ser utilizados pelo psicopedagogo em combinação com outros tipos de atividades, preferencialmente de caráter lúdico. Dentre estas, destacamos o uso de “dinâmicas”.
No contexto psicopedagógico, talvez valha a pena iniciar retomando suas potencialidades enquanto materiais úteis a uma avaliação mais informal (e menos ansiogênica, diga-se de passagem), não apenas de habilidades cognitivas gerais (memória, percepção, planejamento, flexibilidade cognitiva, raciocínio lógico), mas também como indicador de competências acadêmicas, sobretudo nas áreas da linguagem escrita e matemática.
Neste último caso, geralmente são mais indicados jogos pedagógicos, embora os jogos de regras em geral também possam ser usados (ou adaptados) para uma investigação mais sistemática de habilidades escolares de leitura, escrita e das operações matemáticas básicas. Por exemplo, para avaliar o nível de conhecimento.
O uso de jogos mostra-se então fundamental para trabalhar nesse contexto, uma vez que exerce um apelo natural ao interesse da criança pela sua característica lúdica, favorecendo assim o vínculo desta tanto com o mediador da atividade (psicólogo, psicopedagogo ou educador) quanto com a atividade de jogar em si. Esta representa um desafio cognitivo que, ao ser superado através do êxito, fortalece sentimentos de autoestima e autoeficácia. A partir do auxílio oferecido pelo mediador no estímulo da reflexão sobre estratégias utilizadas e planejamentos possíveis, possibilita o desenvolvimento da compreensão do raciocínio subjacente à ação, favorecendo o desenvolvimento da autorregulação e da motivação para as tarefas de aprendizagem.
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